Zama (2017): Um Retrato Existencialista de Espera e Desespero no Colonialismo Espanhol

0

Zama (2017), da cineasta argentina Lucrecia Martel, é um drama de época que foge dos padrões tradicionais.

Baseado no romance homônimo de Antonio Di Benedetto, o filme é uma poderosa e desconcertante alegoria sobre estagnação, identidade e alienação dentro da estrutura do colonialismo espanhol no século XVIII.

Ao contrário das epopeias grandiosas, Zama constrói sua força na imobilidade, na contemplação e na degradação silenciosa de seu protagonista.

Indicado ao Leão de Ouro em Veneza e aclamado pela crítica internacional, o longa é uma das obras mais ambiciosas do cinema latino-americano contemporâneo.

Visualmente deslumbrante, filosoficamente denso e ritmicamente paciente, Zama é um mergulho existencial no absurdo de uma burocracia colonial que parece não levar a lugar algum.

Leia mais:

A Cidade e a Cidade: Mistério e Ficção Científica em Duas Realidades Paralelas

Deixe a Luz do Sol Entrar (2017): Amor, Solidão e Desejo no Cinema Francês Contemporâneo

A Trama: Uma Espera Infindável no Fim do Mundo

Imagem: The Movie Database

O filme segue Don Diego de Zama, interpretado por Daniel Giménez Cacho, um oficial da Coroa espanhola designado a uma remota colônia da América do Sul — hoje território do Paraguai ou Argentina.

Longe de sua família e ansiando por reconhecimento e promoção, Zama aguarda ansiosamente sua transferência para uma região mais prestigiada.

A cada pedido de remoção, no entanto, ele enfrenta a mesma resposta: espera. A burocracia colonial, retratada de forma quase kafkiana, nunca lhe dá respostas concretas.

Com o passar do tempo, Zama se deteriora física e psicologicamente, perdendo o senso de propósito, identidade e, gradualmente, sua sanidade.

Um Filme sobre o Colonialismo Visto de Dentro

Diferente da maioria das obras sobre o período colonial, que geralmente retratam o embate entre colonizadores e colonizados sob ótica de ação ou conflito, Zama escolhe explorar o absurdo da própria engrenagem colonial.

Zama não é um herói nem um vilão, mas um homem preso a um sistema que ele próprio serve, mas que o ignora.

Seu sofrimento silencioso espelha o esvaziamento de sentido do colonialismo tardio — uma ordem hierárquica que já não convence nem recompensa seus servidores. Nesse sentido, o filme não busca vilões externos, mas mostra como o sistema devora até mesmo aqueles que o sustentam.

Direção de Lucrecia Martel: Estética e Subversão

Lucrecia Martel, conhecida por filmes como La Ciénaga e La Mujer sin Cabeza, imprime sua marca autoral em Zama com uma linguagem visual rica e uma narrativa densa.

A diretora opta por trabalhar com planos longos, enquadramentos que enfatizam a paisagem e o corpo dos personagens, e uma edição que muitas vezes rompe com a lógica tradicional.

A atmosfera sonora também é cuidadosamente construída. Os sons da natureza — insetos, vento, água — criam um pano de fundo constante de inquietação. Martel transforma o ambiente em personagem, e o tempo em inimigo.

A fotografia de Rui Poças é outro destaque. Com cores quentes e composição minuciosa, ele cria uma estética que mistura beleza tropical e opressão emocional.

Um Protagonista em Ruína

O ator Daniel Giménez Cacho entrega uma performance contida, mas poderosa. Seu Zama começa como um homem orgulhoso e ambicioso, e termina como um espectro de si mesmo. A transformação do personagem é gradual, e se expressa mais por silêncios e olhares do que por ações dramáticas.

Zama é uma figura trágica. Ele busca validação da metrópole, mas é constantemente ignorado. Procura conforto no sexo, no status e no poder, mas nenhum deles lhe traz sentido. Sua jornada é, no fundo, um desmoronamento existencial.

Temas Existenciais: Espera, Identidade e Alienação

Zama é um filme sobre a espera sem fim — não apenas física, mas simbólica. A espera por reconhecimento, por um novo começo, por sentido. O protagonista, preso em um limbo entre civilização e selva, entre Espanha e América, entre ambição e inutilidade, representa o colapso do projeto colonial.

O filme também explora a alienação identitária. Zama não pertence nem ao território onde está, nem ao império que o esqueceu. Ele é estrangeiro em todas as dimensões: geográfica, política e emocional.

Martel faz de Zama uma meditação sobre a decadência de um sistema de valores, mostrando como a burocracia colonial não só o oprime, mas o esvazia completamente de sentido.

Recepção Crítica e Impacto Cultural

Apesar de ser um filme desafiador para o grande público, Zama foi aclamado por críticos ao redor do mundo. Foi selecionado como representante da Argentina para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e integrou diversas listas de melhores filmes da década.

Cineastas como Apichatpong Weerasethakul e Barry Jenkins elogiaram a estética e a coragem da narrativa. A crítica internacional ressaltou a originalidade da abordagem de Martel ao gênero histórico e a profundidade filosófica da obra.

Para muitos estudiosos do cinema latino-americano, Zama é um marco: um filme que confronta o passado colonial da região com uma linguagem poética, reflexiva e profundamente crítica.

Conclusão

Imagem: The Movie Database

Zama não é um filme fácil, nem pretende ser. É uma obra que exige atenção, paciência e disposição para mergulhar em um universo denso e carregado de significados.

Mas para aqueles dispostos a embarcar nessa jornada existencial, o filme oferece uma das experiências mais ricas e provocativas do cinema contemporâneo.

Com sua estética deslumbrante, seu protagonista em ruína e sua crítica poderosa ao colonialismo, Zama reafirma Lucrecia Martel como uma das vozes mais importantes do cinema mundial. E transforma a espera — mesmo que insuportável — em uma forma de revelação.

Assista ao trailer de “Zama”

No Brasil, “Zama” está disponível na Apple TV, Amazon Prime Video e Kanopy.