Uma Noite de 12 Anos (2018): O Drama Brutal e Poético da Resistência Política no Uruguai
Lançado em 2018, Uma Noite de 12 Anos (La Noche de 12 Años) é um dos filmes mais fortes e comoventes do cinema latino-americano contemporâneo.
Dirigido por Álvaro Brechner, o longa uruguaio reconstitui com brutalidade poética os anos de isolamento e tortura vividos por três presos políticos durante a ditadura militar no Uruguai.
Entre eles está José Mujica, que viria a se tornar presidente do país décadas depois. O filme mergulha na escuridão do cárcere não apenas físico, mas mental, construindo uma narrativa intimista e impactante sobre resistência, dignidade e sobrevivência.
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A história real por trás do filme

Uma Noite de 12 Anos é baseado em fatos reais e nos relatos de José Mujica, Mauricio Rosencof e Eleuterio Fernández Huidobro — integrantes do grupo guerrilheiro Tupamaros.
Capturados durante o regime militar uruguaio, foram mantidos como “reféns” do Estado, vivendo em completo isolamento por doze anos, entre 1973 e 1985.
A estratégia do regime era clara: quebrar os homens que simbolizavam a resistência popular, sem matá-los — o que poderia gerar mártires.
Ao invés disso, optaram por uma forma sistemática de tortura psicológica, confinando-os em celas minúsculas, com pouca ou nenhuma luz, sem comunicação entre si ou com o mundo externo.
A trama de Uma Noite de 12 Anos
Uma Noite de 12 Anos começa em 1973, ano do golpe militar no Uruguai. Mujica (interpretado por Antonio de la Torre), Rosencof (Chino Darín) e Huidobro (Alfonso Tort) são transferidos para uma nova etapa de prisão: o isolamento extremo.
A partir daí, são movidos entre prisões, impedidos de falar, de escrever, de ler — até mesmo de pensar com clareza.
O roteiro não busca explicar o contexto político com didatismo. Em vez disso, mergulha na experiência dos personagens. A luta aqui é interna e silenciosa: contra o tempo, contra a loucura, contra a humilhação.
A narrativa é conduzida por imagens fortes, flashbacks sensíveis e momentos de delírio que revelam a fragilidade e a força do ser humano sob opressão.
José Mujica: de preso a presidente
Um dos aspectos mais tocantes de Uma Noite de 12 Anos é o destino posterior de José Mujica. O personagem que vemos sendo espancado, enlouquecido e reduzido ao mínimo existencial viria a se tornar um dos presidentes mais admirados da América Latina, símbolo de ética política e humildade.
Isso adiciona uma camada simbólica poderosa ao filme: o homem que sobreviveu ao horror sem perder sua humanidade é o mesmo que, anos depois, governaria com simplicidade e retidão, tornando-se um exemplo mundial.
Estética, direção e atmosfera
A direção de Álvaro Brechner é firme e sensível. Ele não se apressa em mostrar a dor. Ao contrário, deixa o silêncio agir. As cenas são longas, claustrofóbicas, com paletas escuras e trilha sonora discreta. O foco está nos detalhes — o olhar vazio, a respiração ofegante, o som de uma porta se fechando.
O diretor aposta em um realismo cru, mas evita cair no espetáculo da violência. Ao invés disso, nos convida a sentir o peso do tempo, da solidão e da injustiça.
A fotografia acompanha esse tom. O uso de sombras, a escuridão das celas, os contrastes entre o mundo exterior e o confinamento formam uma composição visual de forte impacto emocional.
Atuações poderosas
O trio principal entrega performances intensas e comoventes. Antonio de la Torre, como Mujica, transmite o desgaste físico e mental do personagem com nuance e profundidade. Seu trabalho corporal e o uso do silêncio são notáveis.
Chino Darín, filho do ator Ricardo Darín, traz humanidade e humor trágico ao papel de Rosencof, enquanto Alfonso Tort vive Huidobro com uma serenidade comovente, mesmo diante da tortura e do esgotamento.
Não há heroísmo grandioso nas atuações — apenas resiliência, dor e dignidade.
Uma memória necessária
Uma Noite de 12 Anos se junta ao seleto grupo de filmes latino-americanos que revisitam os horrores das ditaduras militares.
Como O Segredo dos Seus Olhos (Argentina) ou Batismo de Sangue (Brasil), o longa uruguaio faz mais do que contar uma história — ele preserva a memória de um período sombrio que ainda ecoa na política e na sociedade.
O filme não busca apenas comover, mas também provocar: que país permite que homens sejam tratados como fantasmas? Quantas histórias semelhantes permanecem invisíve
Reconhecimento e impacto internacional
O filme foi selecionado para o Festival de Veneza e representou o Uruguai no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Foi amplamente elogiado pela crítica internacional e conquistou o público em diversos países da América Latina e Europa.
Sua recepção destaca não só a importância política da obra, mas também seu valor artístico: um cinema de alta qualidade, que sabe unir forma e conteúdo.
Conclusão

Uma Noite de 12 Anos é um filme essencial. Forte, sensível, humano. Ele expõe a brutalidade da repressão, mas também a incrível capacidade do ser humano de resistir.
É um lembrete de que a luta pela liberdade e dignidade nem sempre acontece nas ruas — muitas vezes, ela se dá no escuro, em silêncio, dentro de uma cela.
Assistir a Uma Noite de 12 Anos é enfrentar um passado difícil, mas também reconhecer o poder da memória, da arte e da resistência como formas de reconstrução.
Assista ao trailer de “Uma Noite de 12 Anos”
No Brasil, “Uma Noite de 12 Anos” não está disponível para streaming. No entanto, você encontra a obra na Apple TV, dependendo da região.