Boca a Boca entrega uma série psicodélica de extremo talento e bom gosto
Figurou recentemente no catálogo da Netflix a série Boca a Boca. Trata-se de uma produção brasileira original da plataforma, produzida pela Gullane Entretenimento em parceria com Fetiche Features.
Criada por Esmir Filho, o enredo se passa em uma cidade pecuarista no interior de Goiás onde um estranho surto epidêmico transmitido pelo beijo assusta o grupo de risco, formado por adolescentes, e os demais cidadãos da cidade, que enquadram seus pais e parentes.
E o que a principio começa despretensioso e juvenil entra em uma crescente de ficção científica e reflexão nas mais diversas instâncias. Confira a nossa crítica.
Longe de debutar entre as renomadas séries do catálogo da Netflix, Boca a Boca começa com um bom argumento, que convida o telespectador a se inteirar dos acontecimentos sucedidos. Peca, em seguida, ao entregar um primeiro episódio morno, com atuação desencontrada e estereotipada, principalmente no que tange a adolescência de classe média interiorana. No entanto, caso você se permita continuar a história para além do primeiro episódio, se depara com personagens com cadências extremamente afinadas e atuais, nuances realísticos contrastando com performances visuais e subjetivas, em perfeita harmonia a um plano de fundo com direção de arte alinhada a proposta da série e efeitos especiais satisfatórios.
O elenco, formado pelos jovens Caio Horowicz (Alex Nero), Iza Moreira (Fran), Michel Joelsas (Francisco “Chico”) lida fluidamente com os veteranos Denise Fraga, Bianca Byington e Bruno Garcia, que integram o núcleo adulto da produção.
A partir de então, a série mostra para o que veio, trazendo desde o título de cada episódio, referências modernas e atuais do contexto da recente geração, formada pelo boom das redes sociais.
Episódios intitulados como “unfollow” e “afim de real?”, mostra como a sociedade atual se relaciona resvalando-se as mídias digitais como complemento de suas atitudes. Temas atuais como homossexualidade, manipulação genética, racismo estrutural e veganismo são tecidos de acordo com os dramas de uma juventude que se apresenta problemática e refém de dogmas sociais que em muito se coincidem com a realidade.
A trilha sonora que se usa da diegese em especial para conduzir um de seus melhores personagens, o “Chico”, abusa do synth pop de maneira inteligente e convidativa. Bandas como Kindest Cuts, Chromatics e a voz de Mary Komasa confere um ar quase indie juvenil que o título pede.
Finalmente a parte de diversidade é assertiva, trazendo um elenco miscigenado que se distribui nas mais diversas classes sociais e se estendem as mais diversas faixas etárias, que fazem a série, ainda que em uma ficção científica, não perca sua brasilidade estética.
Outro ponto de brasilidade, onde o título acerta e confere nacionalidade a série do gênero, é usar de entes folclóricos e do nosso cotidiano para ambientar a ficção. Em Boca a Boca, você encontra referências ao famoso “Boi da Cara-Preta”, ao contexto histórico pós-escravocrata de grandes senhores de terra e praticado até os dias atuais, até codinomes típicos de aplicativos da atualidade, e que fazem parte do público diverso brasileiro.
Com gancho para uma segunda temporada, Boca a Boca é um delicioso presente em neon que o catálogo da Netflix oferece aos telespectadores brasileiros.
Vale a pena assistir.
[rwp-review id=”0″]