Messianismo | O que há de semelhante entre Daenerys e Thanos

 

Daenerys e Thanos:  messianismo, salvação e morte

 

Porque messianismo? Certamente, Daenerys não foi uma rainha má e ambiciosa como Cersei. A motivação da mãe de dragões nunca foi obter riquezas. Afinal, ela destruiu o que seria seu próprio castelo. Isso porque em sua cabeça havia uma missão a cumprir: salvar as pessoas da tirania. Thanos, por sua vez, tinha uma teoria diferente. A saber, o Titã louco deduziu que, se a vida continuasse a se expandir de modo tão veloz, deixaria de ser sustentável. Por isso metade dela precisava ser extinta, a fim de que a outra parte continuasse a existir. Não era uma questão de eliminar tiranos, ao contrário, as mortes seriam aleatórias. Ele também não era ambicioso. Por isso, não queria tirar proveito do poder das jóias, apenas selar seu destino.

 

Messianismo: O que há de semelhante entre Daenerys e Thanos

 

Embora com motivações distintas, ambos tinham algo em comum: se achavam os escolhidos para um propósito superior. Isso, em suas concepções, os tornava acima do bem e do mal. A esse sentimento, dá-se o nome de messianismo. Diferentemente de Thanos, Daenerys nem sempre se viu dessa forma. No começo era totalmente subjugada por Viserys. Porém mesmo depois de “chocar” seus dragões, enfrentou crises, buscou conselhos (embora nem sempre os seguisse), desestabilizou-se algumas vezes. Ao passo que Thanos, desde que tomou sua decisão, jamais fraquejou.

 

Thanos

 

Receptividade do público

Estamos diante das duas obras ficcionais de maior sucesso na atualidade. Afinal, Game of Thrones e Vingadores: Ultimato bateram recordes históricos. Em se tratando especificamente de Thanos e Daenerys, a situação se repete. A saber, o desfecho dado a Mãe de Dragões não foi muito bem aceito. A principal diferença está na trajetória de cada um. Ambos tiveram uma reviravolta no final da saga. Entretanto, a de Daenerys não agradou tanto.

Sempre que a Ordem Negra de Thanos chegava para exterminar metade da população de um planeta, tratava a atuação como misericórdia! “Alegrem-se, pois vocês serão salvos pelas mãos do Grande Titã”. Daenerys em seu discurso depois de destruir Porto Real, disse que salvou o povo da tirania. A palavra em comum era “salvação”. Ambos se julgavam salvadores e agiram motivados por isso. Os dois exterminaram seres vivos e terminaram mortos. Porque a reação do público foi tão diferente para cada um?

 

O messianismo de Thanos

Primeiramente, Thanos foi construído para ser um vilão desde o início. Com efeito, o desafio seria explorar seu lado “humano”. Ele era oposição aos heróis mais amados da atualidade. Entretanto, o amor por Gamora, o desapego aos bens e ao poder e a pequena coerência em sua ideia fixa geraram alguma empatia pelo Titã. Ele se aliou a personagens maus e praticamente acabou com a vida de heróis. Pantera Negra, Homem-Aranha, a própria Gamora estavam entre suas vítimas. As doses de sensibilidades do Titã louco não foram suficiente para que as pessoas deixassem de entender que ele era um vilão. Portanto, precisava morrer para que outras pessoas fossem salvas.

O messianismo de Thanos surgiu de sua ideia fixa. Por ser forte suficiente para usar as joias e por ser o único com coragem, entendeu que a missão era dele. Não era um direito que só ele tinha. Também não se tratava de ter um grande diferencial. Simplesmente achava que aquilo deveria ser feito e apenas ele conseguiria. Convenceu a Ordem Negra a lutar ao seu lado. Com isso, o messianismo extrapolou a subjetividade e atingiu outras pessoas.

 

O messianismo de Daenerys Targaryen

A menina subjugada pelo irmão só queria ir pra casa. Depois de ser vendida, estuprada, percebeu que não precisava sofrer na mão de outras pessoas. Ao contrário, as pessoas que deveriam temê-la. Seguiu sua peregrinação, deixou um pequeno rastro de fogo e sangue, mas ela não matou mocinhos como Thanos fez. Ser misericordiosa e poupar a vida de Mirri Maz Duur levou Dany a perder seu filho e seu marido. Sacrificá-la junto com Drogo foi o que deu origem seus dragões. A própria vida lhe mostrou que ela não poderia ser muito piedosa. A primeira vez custou caro!

Daenerys deixou mortes facilmente justificáveis. Porém, também deixou liberdade e gratidão. Com isso, conquistou um exército enorme e fiel. Trouxe os dragões de volta quase 200 anos após a extinção e provou ser imune ao fogo. Depois disso, libertou escravos, liderou os dothraki, enfrentou os Filhos da Harpia e salvou Meereen. Portanto, definir-se como Quebradora de Correntes e Não-queimada não soava como um messianismo, mas como realidade.  Da mesma forma, havia sentido em se proclamar herdeira do trono. Ela era a última Targaryen, não se sabia de Jon. Sua luta foi construída como legítima.

 

A reviravolta de Thanos

Thanos foi morto. Porém uma viagem no tempo trouxe de volta sua versão mais jovem. Essa versão era mais inconsequente, mas não deixava de ser o que Thanos era. Ele sempre alegou que exterminar populações não era uma escolha, mas uma obrigação decorrente de seu sentimento messiânico. No entanto, ao se deparar coma resistência dos Vingadores admitiu que sentiria prazer ao exterminar o planeta terra. Ele consolidou sua tirania. Até surpreendeu, de certa forma, mas, ao contrário de Dany, não teve tanta repercussão negativa.

 

A reviravolta de Daenerys

Daenerys, depois de sua atuação heroica, libertando escravos e ajudando a derrotar o exército dos mortos, decidiu queimar King’s Landing. Ela estava consumida pelo ódio. Em poucos dias perdeu um dragão e dois de seus melhores amigos. Por isso, nem mesmo crianças foram poupadas. A princípio, havia indícios de que Daenerys seria implacável. “Eu sou a filha do Dragão e prometo: aqueles que ferirem vocês morrerão agonizando”. De fato, ela foi tirana com escravagistas. Mas isso não necessariamente significava que mataria inocentes. Arya matava por vingança. Inclusive, serviu Walder Frey com a carne dos filhos dele. Nem por isso foi chamada de louca. Portanto, no contexto GoT, não é razoável tratar a punição de merecedores como indício de loucura. A maior diferença entre as duas é que Dany sempre defendeu a tese de que matava por justiça, não vingança.

Reivindicar o trono também não era exclusividade da Rainha Dragão. Stannis se achava o escolhido pelo Senhor da Luz e foi capaz de queimar a própria filha por isso. Ele foi considerado mal, ambicioso, mas não louco. Além disso, há um o paralelo entre Dany e Aegon, o Conquistador, que também se julgava o melhor para dominar Westeros. Ele não era louco e era Targaryen. No fim o argumento plausível para o caso de Dany é o gene da loucura em sua família, que, com tantos traumas, se manifestou. Não adianta os showrunners afirmarem que ela sempre foi louca. Afinal, outros personagens tinham comportamentos parecidos. Isso deveria ter sido melhor trabalhado. Talvez por este motivo a recepção ruim.

Assim como Thanos, foi a resistência que consolidou sua loucura e tirania. Porém, no caso de Porto Real, houve rendição. Não foi o suficiente para deter sua fúria e seu messianismo se consolidou de vez. Ela era a salvadora, os que não reconheciam isso deveriam ser queimados para novas gerações a reverenciassem.

 

Os loucos também amam

Outro fato comum aos personagens é a capacidade de criar vínculos afetivos. Thanos amava Gamora. Daenerys, por sua vez, amou muitas pessoas: Seu filho, seus dragões, Drogo, Jorah, seus aliados e, por fim, Jon Snow. Entretanto, a relação deles com o amor foi muito diferente, quase oposta. O Titã louco matou sua filha a fim de cumprir seus desígnios. Dany perdeu praticamente todos que amava. Suas perdas desencadearam ódio e sede de vingança, ainda assim, ela não se entendia como vingativa, mas como libertadora. Porém com Jon a história foi diferente. Mesmo sabendo da ameaça que representava, escolheu amá-lo e foi morta por ele.

 

Messianismo | o que há de semelhante entre Daenerys e Thanos

 

Olhando pra realidade é fácil perceber o quanto o messianismo é perigoso. Quando alguém se considera o salvador exclusivo de um povo, em um contexto político e se coloca acima do bem e do mal, é loucura. Quando um povo acredita que alguém é o enviado divino, única possibilidade de salvação e acima de suspeitas, é manipulação. Porém, isso só transpareceu em Daenerys no fim da última temporada. Ela sempre disse que seria justa e quebraria a roda, mas a sua autoconfiança um pouco megalomaníaca a consumiu. Apenas a destruição de Porto Real mostrou, de fato, sua tirania.  Seu discurso seguinte deixou claro que ela se via como salvadora exterminando cidades. Também mostrou que seus exércitos concordavam, pois ela era sua libertadora. Assim como Thanos, que teve o apoio da Ordem Negra até o fim, considerando-o o salvador da vida.

Portanto, fora do contexto religioso, sempre desconfie de argumentos messiânicos. A mínima resistência a um projeto de poder pode revelar a mais cruel tirania.

 

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