Lançado em 2021 e dirigido pelo aclamado cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul, Memoria é uma obra cinematográfica de rara beleza, que desafia as convenções narrativas tradicionais e convida o espectador a experimentar o cinema de forma sensorial e meditativa.
Estrelado pela premiada atriz Tilda Swinton, o filme se passa na Colômbia e acompanha uma mulher estrangeira que passa a ouvir um som inexplicável, que a conduz a uma jornada interior entre o real e o inexplicável.
O longa não é um filme para ser entendido, mas sentido. Seu ritmo lento, seus longos planos fixos e sua atmosfera silenciosa fazem parte de uma proposta que convida à contemplação — uma experiência cinematográfica profundamente diferente daquilo que o cinema comercial costuma oferecer.
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Sinopse: Quando o som se torna memória

Jessica e o ruído que ninguém mais ouve
A protagonista de Memoria, Jessica Holland (Tilda Swinton), é uma botânica britânica que vive em Medellín. Um dia, ela acorda com um som alto, metálico e seco, como um estrondo subterrâneo.
O ruído misterioso passa a reaparecer de forma imprevisível, sempre apenas para ela — um som que ninguém mais escuta, mas que a perturba profundamente.
Intrigada e desestabilizada, Jessica parte em busca de respostas: consulta médicos, engenheiros de som, explora arquivos e registros arqueológicos.
Sua jornada a leva até as montanhas da Colômbia, onde conhece um homem isolado que afirma nunca esquecer nada — e com ele, ela vivencia uma conexão inesperada entre som, memória, tempo e existência.
A estética contemplativa de “Memoria”
Apichatpong Weerasethakul: o mestre da lentidão poética
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes por Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (2010), Apichatpong Weerasethakul é um cineasta conhecido por seu estilo único, onde o tempo é estendido e o silêncio ganha protagonismo.
Em Memoria, seu primeiro longa fora da Tailândia, ele mantém sua marca autoral: planos longos, diálogos minimalistas e um ambiente onde a natureza e o tempo são personagens ativos.
O som como protagonista
No longa, o som é tão importante quanto qualquer personagem. Trabalhado com precisão quase científica, o desenho sonoro do filme é assinado por Akritchalerm Kalayanamitr e Sebastián Mejía, que criam paisagens auditivas enigmáticas e hipnóticas.
O som misterioso que Jessica escuta se torna o fio condutor do filme — não apenas como enigma narrativo, mas como metáfora para algo maior: a memória coletiva, os traumas invisíveis, a história esquecida de um território.
Tilda Swinton: presença silenciosa, atuação imensa
A entrega absoluta a uma narrativa não convencional
Tilda Swinton, uma das atrizes mais versáteis do cinema mundial, oferece em Memoria uma performance que desafia as expectativas.
Com pouco texto e uma expressão sempre entre o assombro e a serenidade, ela personifica perfeitamente o tipo de personagem que habita os filmes de Apichatpong: seres que vivem entre mundos, que escutam o que os outros não escutam, que veem o invisível.
Sua atuação é um exercício de entrega, sustentando o filme com sutileza e leveza, sem jamais buscar respostas óbvias. Em Memoria, ela é mais uma guia do que uma protagonista tradicional — uma ponte entre o espectador e o mistério.
A Colômbia como paisagem sensorial
Um país visto como território de memória e silêncio
Embora Memoria seja um filme sobre som, ele também é sobre os silêncios da história. Situado na Colômbia, o longa não aborda diretamente os conflitos armados do país, mas a escolha do cenário não é acidental.
Há uma camada subtextual que sugere que os sons que Jessica ouve são ecos de um passado enterrado, uma dor coletiva que ressoa invisível.
As locações colombianas — selvas, centros urbanos, vilarejos e cavernas — são retratadas como territórios vivos, que respiram, ouvem e guardam memórias que não se apagam. Weerasethakul trata a paisagem como um corpo de memórias que pulsa, silenciosamente.
Temas de “Memoria”: tempo, trauma e consciência
O tempo não linear e a memória sensorial
O título Memoria não se refere apenas à lembrança consciente, mas à memória do corpo, da terra, do som. O filme sugere que o passado pode ser acessado não só pela mente, mas também pela experiência sensorial — um conceito próximo do cinema espiritual ou meditativo.
Além disso, o tempo no filme é vivido de forma não linear. Jessica parece atravessar dimensões temporais, ouvindo ecos de vidas passadas, traumas coletivos ou ruídos do inconsciente. O filme não dá respostas, mas oferece sensações.
Recepção crítica e legado artístico
A consagração em Cannes e o circuito de festivais
Memoria estreou no Festival de Cannes de 2021, onde recebeu o Prêmio do Júri e foi aclamado como uma das experiências cinematográficas mais desafiadoras e recompensadoras do ano.
Desde então, percorreu festivais como Toronto, San Sebastián, Roterdã e Nova York, sendo amplamente discutido por críticos e cineastas.
Apesar de sua natureza exigente, o filme foi elogiado por sua inovação formal, sua riqueza sensorial e pela maneira como propõe uma nova forma de se pensar o cinema como arte.
“Memoria” e sua distribuição singular
Um filme que não será lançado em streaming
Um aspecto único de Memoria é a decisão de seus produtores de não lançar o filme em plataformas digitais ou streaming.
A proposta é que ele seja exibido apenas em cinemas, em sessões únicas, como parte de um circuito contínuo e itinerante. Essa escolha reflete o desejo de preservar a experiência sensorial coletiva do cinema, algo que se perderia no ambiente doméstico.
Conclusão: por que “Memoria” é uma experiência cinematográfica única

Memoria não é um filme tradicional — e isso é o que o torna tão especial.
Ao invés de contar uma história com começo, meio e fim, ele nos convida a escutar o mundo com outros ouvidos, a sentir o tempo de outra forma, a perceber que nem todos os traumas são visíveis, mas todos deixam marcas sonoras e sensoriais.
Se você busca um filme contemplativo, instigante e que te desafie a desacelerar, Memoria é uma experiência indispensável. É cinema como meditação, como escuta, como revelação.
Assista ao trailer de “Memoria”
No Brasil, “Memoria” está disponível na Amazon Prime Video, YouTube Filmes e Apple TV.