“Life on Mars”: O drama policial britânico que viaja no tempo e redefine o gênero investigativo

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Entre os anos de 2006 e 2007, a BBC exibiu uma das séries mais inovadoras e instigantes já produzidas para a televisão britânica: Life on Mars.

Misturando drama policial britânico com elementos de ficção científica, a série conta a história do detetive Sam Tyler, um policial moderno de Manchester que, após ser atropelado em 2006, acorda misteriosamente no ano de 1973.

Essa premissa, que poderia soar absurda em mãos menos habilidosas, tornou-se um marco televisivo graças à execução precisa dos roteiristas Matthew Graham, Tony Jordan e Ashley Pharoah, e a uma estética que honra tanto os thrillers da década de 70 quanto as sensibilidades narrativas do século XXI.

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Um salto no tempo e no estilo de investigação

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Imagem: The Movie Database

O protagonista, Sam Tyler (vivido por John Simm), é um detetive metódico e racional do século XXI, acostumado com procedimentos forenses modernos, protocolos e direitos civis.

No entanto, após sofrer um acidente de carro enquanto investiga um caso envolvendo sua parceira, ele acorda misteriosamente em 1973, com uniforme da polícia e em uma Manchester irreconhecível.

Neste novo cenário, Sam passa a trabalhar sob o comando do carismático, rude e antiquado DCI Gene Hunt (interpretado magistralmente por Philip Glenister).

O choque de culturas é inevitável, e o que se segue é uma brilhante desconstrução do que se entende por justiça, policiamento e moralidade ao longo do tempo.

Essa tensão entre o presente e o passado alimenta o motor dramático da série e transforma Life on Mars em um drama policial britânico diferente de tudo o que veio antes.

A mistura de gêneros: drama policial britânico com ficção científica

O grande trunfo de Life on Mars é sua habilidade de transitar por diversos gêneros com naturalidade. Em essência, é um drama policial britânico, com uma série de casos semanais investigados por Sam e sua nova equipe.

Mas há uma camada contínua de suspense psicológico: Sam está sonhando? Em coma? Morto? Viajou no tempo de verdade?

Essa ambiguidade é o que mantém o público constantemente intrigado.

Ao mesmo tempo que investiga crimes, o protagonista também busca respostas para sua situação — conversando com psicólogos através da televisão, ouvindo vozes em rádios antigos ou encontrando objetos do futuro que desafiam sua lógica.

Representações de duas eras do policiamento

O que realmente distingue Life on Mars é o contraste entre dois mundos: o da polícia moderna e o da polícia dos anos 70. Sam Tyler representa a ética investigativa contemporânea, centrada em direitos humanos, provas materiais e cautela institucional.

Já Gene Hunt encarna a força bruta, os métodos duvidosos e a autoridade inquestionável dos “velhos tempos”.

Esse embate não serve apenas como alívio cômico ou drama: ele provoca discussões sérias sobre evolução institucional, masculinidade tóxica, burocracia e eficiência. O espectador é convidado a julgar não apenas os métodos, mas também os resultados.

É raro encontrar um drama policial britânico que reflita com tanta intensidade sobre a própria natureza da aplicação da lei.

Elenco e atuações memoráveis

O sucesso de Life on Mars seria impossível sem o elenco talentoso e envolvente. John Simm entrega uma performance sensível como Sam Tyler, equilibrando confusão, desespero e profissionalismo com maestria.

Ele é um protagonista que conquista o público não por sua perfeição, mas por sua constante luta entre razão e emoção.

Philip Glenister, por outro lado, cria um dos personagens mais icônicos da televisão britânica com Gene Hunt. Seu estilo “politicamente incorreto”, seu humor ácido e sua autoridade bruta criam uma figura paradoxalmente detestável e adorável.

A química entre os dois protagonistas é um dos pilares emocionais da série.

Ambientação impecável da década de 70

Outro ponto alto de Life on Mars é sua recriação detalhada da Manchester de 1973. Desde os figurinos, carros, arquitetura e trilha sonora, até os valores sociais da época, tudo é cuidadosamente apresentado.

A trilha inclui clássicos do glam rock, David Bowie (cuja canção “Life on Mars?” inspira o nome da série) e outras pérolas da década.

A ambientação não serve apenas como pano de fundo visual. Ela é parte essencial da narrativa, reforçando as barreiras culturais que Sam precisa superar enquanto tenta encontrar o caminho de volta para casa — ou aceitar o novo lar que o tempo lhe impôs.

Impacto cultural e legado

Apesar de sua curta duração — apenas duas temporadas e 16 episódios — Life on Mars teve um impacto profundo no cenário televisivo britânico. A série foi aclamada pela crítica, conquistou uma base de fãs fiel e recebeu diversos prêmios, incluindo o International Emmy de Melhor Série Dramática.

Ela também deu origem a um spin-off, Ashes to Ashes (2008–2010), ambientado nos anos 80 e focado em outro personagem que “viaja no tempo”, mantendo Gene Hunt como figura central.

Embora não tenha alcançado o mesmo prestígio da série original, Ashes to Ashes ajudou a expandir o universo e a mitologia criada por Sorkin.

Além disso, Life on Mars ganhou uma adaptação americana em 2008, que, apesar de promissora, não conseguiu manter a mesma qualidade ou impacto e foi cancelada após uma temporada.

Por que Life on Mars ainda é relevante?

Em tempos em que o gênero policial é frequentemente criticado por glorificar instituições problemáticas ou repetir fórmulas, Life on Mars se destaca como um exemplo de como um drama policial britânico pode ser crítico, inteligente e emocionalmente complexo.

A série discute temas atemporais: justiça, identidade, memória, moralidade e o papel da autoridade. Sua proposta de “estranhar” o presente ao olhar o passado cria uma experiência única, quase filosófica, sobre o que nos define como profissionais, cidadãos e seres humanos.

Conclusão: Uma viagem no tempo digna de ser vivida

Imagem: The Movie Database

Life on Mars é muito mais do que um simples drama policial britânico com uma pitada de ficção científica.

É uma série que desafia percepções, mistura gêneros com elegância e oferece ao espectador uma narrativa envolvente, divertida e comovente. É uma viagem no tempo que, ironicamente, nos faz refletir sobre o presente.

Se você procura uma série que combine mistério, inteligência e um senso único de estilo narrativo, Life on Mars é uma escolha imperdível.

Assista ao trailer de “Life on Mars”

No Brasil, “Life on Mars” não está disponível para streaming. No entanto, você encontra a obra na Amazon Prime Video, com Britbox, dependendo da região.