“Lazzaro Felice” (2018): Filme Italiano Poético que Mistura Realismo Social e Fábula em uma História Alegórica e Tocante

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Dirigido pela talentosa cineasta Alice Rohrwacher, Lazzaro Felice é uma das obras mais singulares do cinema europeu recente. O filme, que venceu o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes em 2018, é uma mistura envolvente de realismo social, fábula moderna e crítica à desigualdade.

Com uma estética delicada e uma narrativa profundamente simbólica, Lazzaro Felice toca temas universais como a pureza, a exploração, o tempo e a transformação da sociedade.

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A Trama de Lazzaro Felice

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Imagem: The Movie Database

O filme gira em torno de Lazzaro, um jovem camponês extraordinariamente bondoso e submisso, que vive em uma comunidade agrícola chamada Inviolata, isolada do resto do mundo.

Lá, os habitantes são mantidos sob um regime de servidão disfarçada, comandados pela Marquesa Alfonsina de Luna, uma aristocrata que explora o trabalho dos camponeses sem que eles saibam que seus direitos básicos foram negados por décadas.

Lazzaro é retratado como um símbolo da pureza intocada, alguém que não questiona ordens, que serve a todos sem esperar nada em troca. Sua ingenuidade, no entanto, não é tratada como burrice ou fraqueza, mas como uma espécie de santidade inocente que o torna diferente de todos.

O que começa como um drama rural se transforma em algo ainda mais profundo e inesperado quando um evento mágico quebra o fluxo do tempo.

A partir daí, Lazzaro Felice entra em um território alegórico e surreal, conduzindo o espectador por uma reflexão sobre o tempo, a injustiça social e a permanência da inocência em um mundo corrompido.

O Realismo Social em Lazzaro Felice

A Denúncia da Exploração Moderna

O primeiro ato do filme lembra os grandes clássicos do neorrealismo italiano, com foco na vida rural e nas duras condições de trabalho dos camponeses.

A exploração é evidente, mas os personagens parecem não percebê-la, vivendo em uma espécie de ignorância coletiva que só aumenta o impacto da revelação posterior: eles foram mantidos em regime de servidão mesmo após a abolição das práticas feudais.

Alice Rohrwacher utiliza essa premissa para denunciar a persistência de estruturas de poder e abuso, especialmente em relação aos mais pobres, aos esquecidos pelo progresso.

A Inviolata, nesse sentido, é uma metáfora viva da desigualdade social que se perpetua ao longo dos séculos, mesmo em meio à aparente modernização.

Lazzaro: O Santo Laico

O protagonista é um tipo raro no cinema contemporâneo: um personagem essencialmente bom, sem malícia, sem ambição. Sua bondade quase divina o coloca em contraste direto com o cinismo do mundo ao seu redor.

Muitos críticos o comparam a figuras bíblicas, como Jesus ou São Francisco de Assis, mas ele também pode ser visto como um símbolo da esperança e da possibilidade de pureza em uma sociedade corrompida.

Elementos de Fábula e Realismo Mágico

Quando o Tempo Para

Um dos momentos mais marcantes de Lazzaro Felice é a virada narrativa que mistura realidade com fantasia. Lazzaro “retorna” décadas depois sem envelhecer, como se estivesse congelado no tempo.

Essa escolha narrativa desconcerta, mas também amplia o alcance simbólico do filme: Lazzaro permanece o mesmo enquanto o mundo muda — ou piora.

Ele caminha pela nova cidade, onde os camponeses agora vivem em miséria urbana, e nada parece mais justo ou mais promissor do que antes.

Crítica ao Capitalismo e à Modernidade

Ao sair de Inviolata, Lazzaro entra em uma sociedade urbana degradada, onde a exploração continua — só que com rostos e formas diferentes. A minoria privilegiada ainda controla os recursos, enquanto os antigos camponeses agora vivem como excluídos nas periferias.

Essa passagem do mundo rural para o urbano, sem qualquer melhora real para os trabalhadores, é uma crítica direta ao capitalismo contemporâneo, que apenas substituiu os senhores feudais por corporações e sistemas burocráticos.

A Direção de Alice Rohrwacher

Uma Narrativa Delicada e Imersiva

Alice Rohrwacher, que já havia mostrado sua sensibilidade em As Maravilhas (2014), assina aqui uma de suas obras mais ambiciosas.

Ela consegue equilibrar o lirismo visual com um comentário social mordaz, sempre respeitando a inteligência do espectador. A diretora prefere sugerir a afirmar, construir a partir do silêncio e da contemplação, fazendo de Lazzaro Felice uma experiência mais sensorial do que expositiva.

A cinematografia, assinada por Hélène Louvart, é de uma beleza hipnótica, com luz natural, enquadramentos contemplativos e um ritmo quase pastoral que reforça a atmosfera de sonho e nostalgia.

Repercussão e Legado de Lazzaro Felice

Desde sua estreia em Cannes, o filme recebeu críticas entusiásticas da imprensa especializada, que o considerou um dos filmes mais profundos e ousados da década.

Além do prêmio de Melhor Roteiro, Lazzaro Felice foi selecionado para dezenas de festivais internacionais e elogiado por cineastas renomados.

No público geral, especialmente entre os amantes do cinema de arte europeu, o filme ganhou status de cult, sendo constantemente revisitado por seu simbolismo e beleza visual.

Conclusão

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Imagem: The Movie Database

Lazzaro Felice (2018) é uma obra-prima moderna do cinema italiano, que transcende os limites do realismo e da fábula para contar uma história universal sobre a inocência, a injustiça e a passagem do tempo.

Com um protagonista inesquecível, uma direção sensível e uma crítica social poderosa, o filme de Alice Rohrwacher convida à reflexão profunda — e à emoção silenciosa.

Se você busca uma obra que provoque o pensamento e toque o coração com sua poesia visual e mensagem atemporal, Lazzaro Felice é uma experiência cinematográfica imperdível.

Assista ao trailer de “Lazzaro Felice”

No Brasil, “Lazzaro Felice” está disponível na Netflix.