“Crimes do Futuro” (2022): Uma Visão Distópica de Metamorfose Corporal e Arte no Cinema de Cronenberg
Crimes do Futuro (2022) marca o retorno de David Cronenberg, mestre do terror psicológico e da ficção científica perturbadora, a um tema central que o consagrou: as transformações bizarras e muitas vezes grotescas do corpo humano.
O filme leva o espectador a um futuro distópico onde a evolução do corpo humano se dá por metamorfoses bizarras e a arte é reinterpretada através de performances que envolvem a remoção cirúrgica de órgãos.
Como de costume, Cronenberg explora a fusão entre tecnologia e biologia, desafiando os limites do que entendemos por corpo humano e arte.
Com a capacidade de provocar sensações de incômodo e reflexão profunda, Crimes do Futuro é uma meditação sobre a evolução, a identidade e a interação do ser humano com as máquinas.
À medida que o filme aborda a transformação física como uma expressão artística, ele também lança uma crítica inquietante sobre os limites da sociedade, tecnologia e moralidade.
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A Trama de Crimes do Futuro: Uma Distopia de Metamorfose e Arte

O Corpo Humano em Transformação
Em Crimes do Futuro, o futuro da humanidade está marcado por uma metamorfose biológica irreversível.
As pessoas passam por mutação física, sendo incapazes de sentir dor enquanto seus corpos se transformam, e os novos órgãos que surgem ao longo dessa evolução podem ser removidos cirurgicamente para fins artísticos.
A modificação do corpo se torna uma forma de expressão e uma maneira de lidar com a alienação.
O protagonista do filme, Saul Tenser (interpretado por Viggo Mortensen), é um artista de vanguarda que usa sua própria mutação para criar performances únicas e perturbadoras. Ele passa a remover partes de seu corpo para criar arte, um processo que é tanto grotesco quanto fascinante.
Essas performances envolvem uma mistura de tecnologia, arte e anatomia, oferecendo uma reflexão intensa sobre como as fronteiras entre corpo e arte se tornam cada vez mais fluidas.
A Ascensão de uma Nova Ordem: O Movimento de Arte Corporal
No centro da trama, Saul é acompanhado por Caprice (interpretada por Lea Seydoux), uma cirurgiã e também sua parceira artística, que o ajuda a realizar essas cirurgias complexas e a transformar seu corpo em um espetáculo de arte.
Juntos, eles fazem parte de uma sociedade que tenta compreender e se adaptar a um novo mundo onde a evolução biológica é uma forma de expressão artística.
A história também se foca em um misterioso grupo, a “Sociedade de Organismo”, que está tentando estudar e regular esses novos fenômenos corporais.
O filme rapidamente se aproxima de um suspense distópico à medida que a ideia de uma nova ordem, onde o corpo é tratado como uma arte em constante transformação, começa a gerar conflitos éticos e morais.
O Estilo Distópico e Corpóreo de Cronenberg
A Exploração da Carne como Arte
David Cronenberg sempre foi fascinado pela psicologia do corpo humano e como ele pode ser modificado, tanto física quanto psicologicamente.
Crimes do Futuro não é exceção a essa abordagem, mas leva esse conceito ainda mais longe, trazendo à tona uma visão absolutamente grotesca e ao mesmo tempo fascinante da evolução humana.
Cronenberg não se esquiva de mostrar cenas de cirurgias, mutações corporais e modificações anatômicas em detalhes viscerais. O corpo se torna um campo de exploração artística onde as linhas entre o belo e o grotesco se tornam borradas.
A ideia de modificação corporal como arte foi explorada em filmes anteriores de Cronenberg, como Videodrome (1983) e A Mosca (1986), mas em Crimes do Futuro, essa proposta se leva ao extremo.
Aqui, a transformação do corpo se torna uma performance artística, com o corpo sendo operado, cortado e alterado de maneiras que questionam o significado da identidade e da autonomia no futuro da humanidade.
Ambientes e Cenários: A Estética de Cronenberg
A estética visual de Crimes do Futuro também é um reflexo da transição distópica que Cronenberg deseja explorar. O ambiente parece propositalmente frio e clínico, com espaços assépticos que ressaltam a natureza alienante e desumana das modificações corporais.
A paleta de cores do filme é dominada por tons metálicos, neutros e sombrios, que aumentam a sensação de desconforto e distanciamento emocional, reforçando o tema de uma sociedade desconectada e em crise.
A utilização de tecnologia no filme também é um elemento central. Em um mundo onde os avançados dispositivos e máquinas de alta tecnologia realizam cirurgias e modificações corporais, a linha entre o humano e o mecânico se dilui.
As operações são feitas com ferramentas futuristas, e a transformação do corpo é apresentada como algo natural, mas ainda assim profundamente perturbador.
As Performances: Viggo Mortensen e Lea Seydoux
Viggo Mortensen: Saul Tenser, o Artista e Mutante
A performance de Viggo Mortensen como Saul Tenser é o coração pulsante de Crimes do Futuro. Mortensen, conhecido por suas atuações intensas e multifacetadas, traz uma complexidade emocional ao seu personagem.
Saul é, ao mesmo tempo, um homem que explora o limite da dor e do prazer e uma figura trágica, lutando para encontrar seu lugar em um mundo que parece estar se afastando de qualquer noção de humanidade.
Ele tem um olhar distante, quase mecânico, que condiz com seu processo de transformação e sua busca constante por significado através da arte.
Mortensen exibe uma performance física impressionante, passando por cenas de cirurgias e transformações corporais, sem perder a intensidade emocional que define sua jornada.
Saul é uma figura profundamente perturbadora, mas ao mesmo tempo ele é alguém que busca identidade e expressão pessoal em um mundo que não mais aceita o corpo humano como uma entidade estática.
Lea Seydoux: Caprice, a Cirurgiã Artística
Lea Seydoux, como Caprice, também entrega uma performance excelente, representando a parceira de Saul tanto no trabalho quanto na vida. Ela é a cirurgiã que transforma o corpo de Saul, mas também uma artista que compartilha sua visão sobre o corpo e a transcendência das normas físicas.
Sua atuação transmite uma serenidade fria, refletindo a forma como a sociedade vê a cirurgia e a modificação corporal como algo natural, até desejável.
A Filosofia por Trás de Crimes do Futuro
Corpo, Arte e Tecnologia: Questionando os Limites da Moralidade
Em Crimes do Futuro, Cronenberg não está apenas interessado nas transformações físicas, mas também nas questões filosóficas e éticas que elas levantam.
O filme coloca em pauta a natureza da arte e o quanto ela pode (ou deve) ir além dos limites do aceitável, transformando o corpo humano em uma página em branco onde as modificações físicas se tornam o meio de expressão artística.
Ao mesmo tempo, a narrativa levanta a questão da autonomia corporal e os limites entre o que é natural e o que é imposto por uma sociedade obcecada pela perfeição tecnológica.
Uma Reflexão sobre o Futuro
Ao colocar o corpo humano como o centro do enredo, Cronenberg propõe uma reflexão sobre como a tecnologia e as modificações biológicas podem alterar nossa compreensão da identidade e do prazer.
O filme explora o corpo como algo mutável e plástico, onde as construções sociais em torno da sexualidade, identidade e arte podem ser completamente desconstruídas.
Conclusão: Crimes do Futuro e a Provocação do Cinema de Cronenberg

Crimes do Futuro é mais uma adição poderosa ao repertório de David Cronenberg, oferecendo uma visão perturbadora e desafiadora sobre o corpo, arte e tecnologia.
Com uma direção precisa, performances marcantes de Viggo Mortensen e Lea Seydoux, e um enredo que mistura ficção científica, terror e filosofia, o filme oferece uma meditação inquietante sobre a evolução humana e o preço de ultrapassar os limites da biologia.
Se você é fã de cinema provocador que desafia convenções e empurra os limites da experiência humana, Crimes do Futuro é um filme que vai fazer você pensar — e provavelmente questionar a relação que temos com nossos próprios corpos e com o mundo ao nosso redor.
Assista ao trailer de “Crimes do Futuro”
No Brasil, “Crimes do Futuro” está disponível na Amazon Prime Video, Apple TV e YouTube Filmes.