O cinema brasileiro tem produzido obras ousadas e provocativas nos últimos anos, e Bacurau (2019), dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, é uma das mais intensas e subversivas.
Ao misturar elementos de faroeste, suspense e crítica social, o filme se torna uma metáfora poderosa para o Brasil contemporâneo, abordando temas como resistência, poder, identidade e a luta pela sobrevivência em tempos de opressão.
Com uma estética que transita entre o realismo e o surrealismo, Bacurau narra a história dos moradores de uma pequena cidade no sertão nordestino que, após a morte de uma das suas lideranças, se veem obrigados a se unir para enfrentar forças externas misteriosas.
O filme combina uma trama tensa e cheia de ação com uma crítica feroz às estruturas de poder e à desigualdade no Brasil.
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Sinopse: A Luta pela Sobrevivência de Bacurau

Bacurau se passa em uma pequena cidade fictícia no sertão nordestino, chamada Bacurau. A comunidade, pacata e aparentemente isolada do resto do mundo, enfrenta a morte de Karine (Bárbara Colen), uma figura respeitada e querida pelos habitantes.
No velório de Karine, algo estranho acontece: a cidade percebe que seu nome foi apagado dos mapas e que está sendo invadida por forças misteriosas e hostis.
Com o passar dos eventos, os moradores de Bacurau se unem em uma resistência coletiva contra esses invasores. No entanto, a verdadeira natureza dos agressores — uma mistura de figuras estrangeiras e figuras do poder local — revela-se cada vez mais complexa e macabra.
O filme mistura elementos de faroeste, ficção científica e suspense, criando uma narrativa que reflete sobre a luta contra a opressão e a luta pela preservação da identidade e da cultura local.
A Direção de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
Uma Mistura de Gêneros para Refletir a Realidade Brasileira
Kleber Mendonça Filho, conhecido por suas obras como O Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016), se une a Juliano Dornelles para criar uma obra que quebra as barreiras dos gêneros cinematográficos tradicionais.
Bacurau é uma fusão de faroeste, suspense e ficção científica, com uma forte crítica social. Essa mistura de estilos cria uma atmosfera de desconforto e tensão, características de um faroeste clássico, mas ao mesmo tempo com uma abordagem crítica e atual sobre a violência e a opressão.
O filme, com sua trama densa e cheia de nuances, é um comentário não apenas sobre a história do Brasil, mas também sobre a sua atualidade. O uso de recursos visuais e sonoros intensos amplifica o clima de tensão, imergindo o espectador na história de Bacurau.
O Sertão Como Personagem
O cenário de Bacurau, o sertão nordestino, é essencial para a narrativa. O sertão não é apenas o pano de fundo, mas quase um personagem por si só.
As vastas paisagens, o clima árido e a sensação de isolamento são usados para construir uma atmosfera opressiva e ao mesmo tempo única, onde a luta pela sobrevivência é uma constante.
Além disso, o sertão tem um papel simbólico no filme, representando a resistência do povo nordestino frente a diversas formas de dominação e violência.
Elementos de Faroeste e Suspense: A Confrontação Contra os Invasores
A Luta pela Identidade: Resistência e Autossuficiência
A estrutura de faroeste é evidente em Bacurau, com a cidade sendo invadida por forças externas que buscam destruir ou subjugar a comunidade local.
Porém, a abordagem do filme não é simplista: ele transforma essa invasão em uma reflexão sobre colonialismo, disputa pelo território e o papel da cultura como resistência.
A luta de Bacurau contra os invasores não é apenas física, mas simbólica. A cidade e seus habitantes, ao resistirem, estão defendendo a própria identidade, a memória coletiva e a sua autonomia diante de forças externas que buscam apagar sua existência.
O Suspense e a Subversão das Expectativas
O suspense em Bacurau é constante, e a tensão cresce à medida que o filme avança. Desde a revelação da morte de Karine até o confronto final, o público é guiado por uma série de surpresas que desafiam as convenções do gênero.
A subversão das expectativas faz com que o filme seja muito mais do que uma simples história de resistência contra inimigos — ele é uma crítica direta ao Brasil, aos abusos de poder e à desigualdade social.
As Personagens e o Elenco: Heróis e Anti-heróis
A Força Coletiva da Comunidade de Bacurau
Em Bacurau, o verdadeiro protagonista não é uma única pessoa, mas a comunidade como um todo. A resistência é um esforço coletivo, e os moradores, de diferentes idades e origens, se unem para defender sua casa.
A unidade do povo nordestino, simbolizada por Bacurau, é a chave para enfrentar o ataque externo. O elenco é diversificado e inclui Sônia Braga, Udo Kier, Zé Celso Martinez Corrêa e Thomas Aquino, entre outros, que interpretam personagens multifacetados e profundos.
Sônia Braga, em especial, brilha como Domingas, uma das líderes da resistência. Seu papel é fundamental para mostrar como a luta pela sobrevivência e pela dignidade humana está atrelada à coragem e à solidariedade.
A Presença de Udo Kier: O Vilão Europeu
Udo Kier interpreta um dos vilões, um europeu cruel e implacável que representa as forças colonizadoras e dominantes.
Sua presença adiciona uma camada internacional à história, lembrando ao público que os problemas enfrentados por Bacurau não são exclusivos do Brasil, mas fazem parte de uma luta mais ampla contra a exploração e a dominação.
Bacurau: Uma Crítica Social e Política ao Brasil Contemporâneo
Reflexões sobre Opressão e Desigualdade
Em sua essência, Bacurau é uma alegoria sobre as desigualdades sociais no Brasil. A maneira como o filme lida com a violência, tanto física quanto psicológica, e a questão do apagamento da memória histórica, reflete as tensões políticas e sociais do país.
O filme foi lançado em um contexto político conturbado no Brasil, e muitos o interpretaram como uma metáfora para a luta contra os desmandos do poder e as tentativas de silenciar vozes críticas.
A resistência dos moradores de Bacurau é uma forma de resistência contra a destruição da democracia, das liberdades civis e da cultura local.
Um Faroeste Atual
O gênero faroeste, frequentemente associado a confrontos entre o bem e o mal, é reconfigurado em Bacurau para refletir uma luta mais complexa e multidimensional, onde as fronteiras entre heróis e vilões são borradas.
Não há heróis claros; todos têm falhas e motivos pessoais. Isso torna a história ainda mais relevante, pois reflete a realidade de um Brasil polarizado e cheio de contradições.
Conclusão: Bacurau Como Símbolo de Resistência

Bacurau é uma obra cinematográfica inovadora e multifacetada, que transcende os limites do faroeste e do suspense para se tornar uma crítica feroz à desigualdade e à violência que permeiam a sociedade brasileira.
Mais do que um simples filme, é uma reflexão profunda sobre a luta pela sobrevivência, a resistência da cultura e a necessidade de manter a identidade diante da opressão.
Com uma narrativa imprevisível e personagens complexos, Bacurau se destaca como uma das obras mais relevantes do cinema brasileiro contemporâneo.
Assista ao trailer de “Bacurau”
No Brasil, “Bacurau” está disponível no Globoplay, Amazon Prime Video, Apple TV e YouTube Filmes.