A magia dos musicais: Por que assistimos o que assistimos?

 

De Cantando na Chuva a La La Land, uma seleção de musicais que encantam gerações

 

Cara gente nerd… É estranhamente engraçado como existe uma superestimação e até mesmo rotulação em volta dos musicais. Em algum momento (acredito eu), entre os anos 90 e 2000 (continuo acreditando, baseado único e propriamente no sistema de achismo), as pessoas passaram a classificar musicais como um produto diretamente ligado e direcionado ao público infantil (o que é justificado pelo primor de produções da Disney).

E por algum motivo ainda mais absurdo, do qual não consigo identificar, a indústria cinematográfica, e até mesmo teatral, passou a acreditar que essa era a única vertente interessante para o segmento (empobrecendo a história).

Mas, em um movimento um tanto curioso, atualmente os musicais vêm voltando um papel de destaque e atingindo o público adulto (acho que as crianças cresceram) e até mesmo os mais velhos, agregando qualidade e técnica tamanha as produções que novos clássicos e velhos clássicos passam a dividir os corações dos espectadores.

Por isso, para melhor entender a evolução dessas produções, falarei sobre algumas que contextualizam a dinâmica apresentação dos musicais dentro da indústria de filmes durante o passar dos anos.

 

Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain, 1952)

 

A magia dos musicais: Por que assistimos o que assistimos?

 

O filme de 1952 é simplesmente uma obra de arte (se você nunca viu, pare sua vida agora!). Quando assisti Singin’ in the Rain estava em uma fase estranha, saindo da adolescência, carregando comigo alguns preconceitos bobos. Um deles era a ideia de não gostar de musicais, minha justificativa sempre se limitava a “por que eles falam cantando e dançando? Não somos assim na vida”. Por isso, tentando evoluir meu ponto de vista e criar uma base sólida de argumentos, me permiti assistir um dos musicais mais aclamados no mundo. Sentei na minha cama, apaguei as luzes, liguei a TV e pronto.

Quando o filme acabou me vi sorrindo sem motivos, completamente deslumbrado, estarrecido. Demorei alguns minutos para por meu queixo no lugar e me recompor. Até hoje não sei se foi o carisma infinito do trio Gene Kelly, Donald O’Connor e Debbie Reynolds, o roteiro e a proposta divertida da história ou os números musicais, que são simplesmente perfeitos, com sapateados tão lindos, montagens, planos de câmeras e desempenho dos atores impecável.

Assistir Cantando na Chuva é o mesmo que ir à primeira aula de alguma coisa que você quer aprender. Você passa a entender melhor para que as coisas servem, porque são como são, existe uma justificativa para as ações e sincronia dentro da trama.

A história é simplesmente apaixonante, onde acompanhamos um ator e a indústria do cinema se adaptando a um momento onde ela passa suas produções do cinema mudo para o cinema com áudio. O que acaba sendo irônico, já que Cantando na Chuva precisou lidar com a ideia de se adaptar ao cinema colorido (que foi outro grande presente à produção, primando em trazer vida para as telas).

Caso você ainda tenha problemas com musicais, aconselho a assistir esse filme, pois ele definirá sua opinião sobre o assunto. Caso não goste, tudo bem, a vida segue, mas caso goste, tenho certeza que entenderá o porquê da importância desse tipo de filme.

 

 

Menções Honrosas:

  • O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, 1939), e A Noviça Rebelde (The Sound of Music, 1965)
  • Roberto Bolanõs cantando na chuva em Chapolin

 

Grease – Nos Tempos da Brilhantina (Grease, 1978)

 

A magia dos musicais: Por que assistimos o que assistimos?

 

Em inglês apenas Grease, mas no Brasil precisamos sempre de um subtítulo para abrasileirar as coisas (as vezes da certo). Nos Tempos da Brilhantina simplesmente da ao filme o tom despretensioso que é a ideia da produção. A história se passa no início dos anos 60, fala sobre um garoto e uma garota que se conheceram em uma colônia de férias e que começaram a namorar, explorando o ponto de vista masculino e feminino sobre como lidar com o relacionamento.

Grease (e muitos musicais), usam do humor, da simplicidade, e do que posso nominar como “afastamento temporal”, para fazer críticas diretas a situações e dilemas de seu tempo. Afinal, é muito mais fácil você aceitar ouvir histórias sobre os erros dos seus pais do que sobre os seus.

O musical fala sobre machismo diretamente, preconceito e imposições sociais. No início dos anos 80 a sociedade ainda vivia (e até hoje) problemas na concepção de direitos entre homens e mulheres. Assim era muito mais fácil ver a história da garota que se sentia mal por não ter um “grande amor” ou a menina “quadrada” que se permite a usar uma calça de couro apertada e pensar (nossa eles estão fazendo um drama muito grande por uma calça…) sobre o quanto as coisas evoluíram e o quanto as mulheres conquistaram, do que ambientar o filme nos anos 70 e falar dos problemas das mulheres naquela época.

Por isso, Grease se afasta, usa de exemplos globais para seu roteiro, e se torna atemporais mesmo recuando uma década, pois usa de elementos pontuais que ainda são tabu para serem discutidos atualmente (pense bem, se surgir um musical sobre a menina que decidiu dançar funk, qual seria a opinião do público em geral?).

Além disso, o musical tem um tom frenético, intenso, diretamente ligado a energia jovem. As montagens, coreografias e músicas são divertidas e dinâmicas, fazendo com que haja sincronia durante toda a história.

 

 

  • Flashdance e Footloose não são musicais, mas tem a mesma proposta social de desafiar o espectador a entender as situações sociais em que estão inseridos.
  • No entanto, The Rocky Horror Picture Show (1975) já desempenhava o papel de ser transgressor.

 

Moulin Rouge – Amor em Vermelho (Moulin Rouge, 2001)

 

A magia dos musicais: Por que assistimos o que assistimos?

 

Esse é o xodó de muita gente, sendo um dos favoritos do público LGBT. Se não gosta de Moulin Rouge, simplesmente “sai da sala”. O filme acaba sendo marcante, já que surge depois de um hiato longo de musicais no cinema (aqui estou falando de produção não direcionadas ao público infantil).

Por isso há um grande amor pela produção. A ideia de juntar ao musical músicas já renomadas e conhecidas deu aos produtores um pouco de segurança para liberar a obra (e deu a O Rei do Show uma barreira, já que antes de La La Land os estúdios se sentiam inseguros a bancar musicais com músicas originais).

A história do romântico escritor que se apaixona pela cortesã ganha o público pela produção, pelo esplendor e estilo. A crítica da época ficou dividida entre o ódio (aos mais tradicionalistas) e o amor (os inovadores), mas entre o público o filme teve e tem uma ótima aceitação.

O que torna esse filme importante é a simples ideia de fazer diferente de tudo que existiu, dando a liberdade para futuros musicais em buscar o novo e referenciar o tradicional (já chegaremos em La La Land).

 

 

  • Across the Universe que lindamente adapta as músicas dos Beatles em um musical.

 

Mamma Mia! O filme (Mamma Mia! The Movie, 2008)

 

A magia dos musicais: Por que assistimos o que assistimos?

 

Esse musical representa o segmento de adaptações de espetáculos musicais nos palcos (existiram outros antes, mas quero falar do que mais gosto). Mamma Mia! foi possível graças ao sucesso de Moulin Rouge, que mostrou a boa receptividade do público em aceitar musicais que não tem músicas originais, e Hairspray, que trouxe a Broadway para o cinema.

Pode-se dizer que esse filme não é um grande clássico, mas em nenhum momento se sujeita a isso. Seu propósito é entreter, fazer o espectador respirar, relaxar, o elenco se propõe a nos divertir e se divertir. É um verdadeiro “pastelão” (mas sem muita gordura, crocante, na medida certa e bem quentinho). Meryl Streep encabeça a escalação do elenco e é possível ver o respiro que a atriz dá à personagem (que confessou pedir as criadoras do musical para protagonizar a adaptação e se disse liberta após o peso da personagem Miranda de O Diabo Veste Prada).

O filme acabou se tornando o melhor produto pronto do mercado (quem sabe um possível futuro clássico da sessão da tarde?). Seu sucesso é tão aparente que teremos uma sequência, que não existe na Broadway (nervoso, querendo ouvir Abba novamente!).

 

 

  • Chicago (2002) e Hairspray (2007), que também são adaptações de musicais teatrais de sucesso e abriram as portas para outras adaptações.

 

La La Land Cantando Estações ( La La Land 2016)

 

A magia dos musicais: Por que assistimos o que assistimos?

 

Chegamos aos tempos atuais e no último ano surgiu esse novo clássico do cinema (sim, sociedade, lide com isso). La La Land existe porque todos esses filmes existiram antes dele e é visível o saudosismo no roteiro e na direção durante o decorrer da trama. Com trilha sonora e roteiro original, o filme conta a história de uma atriz iniciante e um músico de Jazz que vivem nos tempos atuais em L.A. A premissa é simples: La La Land é um filme existencialmente sobre pessoas.

A produção busca pelo passado trazendo cenas que nos levam aos clássicos (número de sapateado) e trás o novo, arriscando e dando uma nova abordagem ao cinema musical (icônica cena de abertura no trânsito).

O longa é totalmente “piegas”, com cenas lúdicas em contextos fora a parte. Os não amantes do cinema diriam coisas como “não entendo, eles estão conversando, do nada cantam e depois voltam a conversar como se nada tivesse acontecido”, eu sei… sempre existirão os que dirão essas coisas.

Mas a verdade é que La La Land tem o poder de fazer isso. Os antecessores dele foram aos poucos garimpando como o público moderno de musicais reagia a essas coisas, e o que ele estava querendo ver no cinema.

Destaque para as músicas, obviamente (ouço até hoje), e Emma “Fucking Queen Ganhadora do Oscar” Stone, que entendeu a levada do filme e nos conta a história em um ritmo apaixonante.

Aos que querem começar a vida de assistir musicais por La La Land, o recomendo tanto quanto Cantando na Chuva, mas acredito que talvez seu conservadorismo possa prejudicar. Mas tente.

 

https://youtu.be/SKDnPGD8CIw

 

  • Os Miseráveis (2012), ao vencer vários prêmios, deu a La La Land a segurança para ser produzido, já que após o sucesso do filme a indústria entendeu que existe um público que absorve musicais. Merece ser mencionado também O Rei do Show, que é um produto criado após o sucesso do filme de 2017. Ele mostra que há um interesse artístico em continuar escrevendo novos clássicos por parte das produtoras cinematográficas.

 

A verdade é que os musicais existem para adoçar as nossas vidas (sempre existirão os diabéticos e amargos). Todos precisamos de filmes para nos posicionar no mundo e jogar verdades duras nas nossas caras. Mas todos precisamos de filmes que usem de um tom mais brando para nos tocar, as vezes quando alguém grita com você é mais difícil aceitar a mensagem do que falando calmamente.

Esse tipo de produção existe para nos impulsionar a continuar vendo beleza no mundo (mesmo nos dias difíceis) e para revelar as reais intenções das pessoas, só que com um pouquinho de exagero. Afinal, quem não quis sair cantando na chuva depois de um encontro feliz com alguém especial Quem já não deu um primeiro beijo em alguém e sentiu como se perdesse o chão e tivesse próximo às estrelas?

Por mais que você não saia por ai cantando do nada e dançando, as vezes seu coração sente-se tão feliz ou tão triste que palavras ditas não tem o mesmo peso, por isso você precisa dançar com os amigos em uma festa ou se trancar no quarto ouvindo uma música triste.

Musicais são a personificação de tudo aquilo que somos e sentimos, só que com uma pitada de exagero para dar mais destaque as mensagens.